Deferimento de Medida Liminar – Curso de Medicina

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
REQTE.(S): ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS UNIVERSIDADES PARTICULARES – ANUP
ADV.(A/S): FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM
ADV.(A/S): GUILHERME SILVEIRA COELHO
ADV.(A/S): ANTONELLA MARQUES CONSENTINO
ADV.(A/S): GUILHERME VALDETARO MATHIAS
ADV.(A/S): ROBSON LAPOENTE NOVAES JUNIOR
ADV.(A/S): ELIAS CANDIDO DA NOBREGA NETO
INTDO.(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S): CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES): ADVOGADO-GERAL DO SENADO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES): HUGO SOUTO KALIL
PROC.(A/S)(ES): GABRIELLE TATITH PEREIRA
PROC.(A/S)(ES): FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA
AM. CURIAE.: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MANTENEDORAS DE FACULDADES – ABRAFI
ADV.(A/S): LEONARDO MONTENEGRO DUQUE DE SOUZA
AM. CURIAE.: SINDICATO DAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE ENSINO SUPERIOR NO ESTADO DA PARAÍBA – SIESPB
ADV.(A/S): PAULO DE ASSIS FERREIRA DA LUZ
AM. CURIAE.: SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS DE EDUCAÇÃO BÁSICA, ESCOLAS DE IDIOMAS, ENSINO LIVRE, ENSINO PROFISSIONALIZANTE E EDUCAÇÃO SUPERIOR NO ESTADO DO CEARÁ – SINEPE-CE
ADV.(A/S): GERMANA VASCONCELOS DE ALCANTARA
AM. CURIAE.: SINDICATO DAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE ENSINO SUPERIOR NO ESTADO DE PERNAMBUCO – SIESPE
ADV.(A/S): LITIO TADEU COSTA RODRIGUES DOS SANTOS
AM. CURIAE.: CONSELHO DE REITORES DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS – CRUB
AM. CURIAE.: ASSOCIAÇÃO     BRASILEIRA     DAS    INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS     DE       EDUCAÇÃO  SUPERIOR      ABRUC
ADV.(A/S): WALTER DANTAS BAIA
AM. CURIAE.: SINDICATO DAS ENTIDADES MANTENEDORAS DE ESTABELECIMENTOS DE ENSINO SUPERIOR NO ESTADO DA BAHIA – SEMESB/ABAMES
ADV.(A/S): GEORGE VIEIRA DANTAS
AM. CURIAE.: SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO DO ESTADO DO PARÁ – SINEPE-PA
ADV.(A/S): CARIMI HABER CEZARINO CANUTO
AM. CURIAE.: ASSOCIAÇÃO        NACIONAL        DOS        CENTROS UNIVERSITÁRIOS – ANACEU
ADV.(A/S): RAFAEL BARRETO BORNHAUSEN
AM. CURIAE.: FEDERAÇÃO      INTERESTADUAL     DAS     ESCOLAS PARTICULARES – FIEP (FENEP)
ADV.(A/S): DIEGO FELIPE MUNOZ DONOSO
AM. CURIAE.: ASSOCIAÇÃO DOS MANTENEDORES INDEPENDENTES EDUCADORES DO ENSINO SUPERIOR – AMIES
ADV.(A/S): PIETRO CARDIA LORENZONI
AM. CURIAE.: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM
ADV.(A/S): TURIBIO TEIXEIRA PIRES DE CAMPOS
AM. CURIAE.: ASSOCIACAO MEDICA BRASILEIRA
ADV.(A/S): KARINA BOZOLA GROU E OUTRO(A/S)

DECISÃO: Cuida-se de ação declaratória de constitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) em que se postula a declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos) e da política de chamamento público como pressuposto para a autorização de funcionamento de cursos de graduação em medicina instituída pelo referido dispositivo.

A pretensão declaratória da requerente, no particular, é formulada em face do conjunto de decisões administrativas e judiciais por meio do qual tem sido autorizada a criação e o funcionamento de cursos de graduação em medicina, bem como a oferta de novas vagas em cursos já existentes, em sistemática distinta daquela prevista no art. 3º da Lei 12.871/2013 – isto é, sem a realização de prévio chamamento público.

Após exauriente instrução processual – caracterizada pela realização de audiência pública na qual foram ouvidos diversos amici curiae (eDOC 227), bem como pela colheita de manifestações da Advocacia-Geral da União, do Ministério da Educação, de diversos entes e, por fim, da Procuradoria Geral da República –, deferi, em 7.8.2023, medida cautelar para (eDOC 306):

(…) assentar a constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 e estabelecer que a sistemática do dispositivo é incompatível com a abertura de novos cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004, bem assim com a autorização de novas vagas em cursos já existentes, sem o prévio chamamento público e a observância dos requisitos previstos na Lei 12.871/2013.

No que concerne aos processos judiciais e administrativos que tratam do tema objeto desta ação, determino que:

  1. sejam mantidos os novos cursos de medicina já instalados – ou seja, contemplados por Portaria de Autorização do Ministério da Educação – por força de decisões judiciais que dispensaram o chamamento público e impuseram a análise do procedimento de abertura do curso de medicina ou de ampliação das vagas em cursos existentes nos termos da Lei 10.861/2004;
  2. tenham seguimento os processos administrativos pendentes, previstos na Lei 10.861/2004, instaurados por força de decisão judicial, que ultrapassaram a fase inicial de análise documental a que se refere o art. 19, § 1º do Decreto 9.235/2017. Neste         caso,   nas      etapas seguintes       do       processo        de credenciamento, as diversas instâncias técnicas convocadas a se pronunciar devem observar se o Município e o novo curso de medicina atendem integralmente aos critérios previstos nos parágrafos 1º, 2º e 7º do art. 3º da Lei 12.871/2013; e
  3. sejam sobrestados os processos administrativos quenão ultrapassaram a etapa prevista no art. 19, § 1º, do Decreto 9.235/2017.

Ato contínuo, o feito foi incluído, para referendo da cautelar, na pauta da sessão virtual do Plenário ocorrida entre 25.8.2023 e 1.9.2023, ocasião em que apresentei voto no sentido de converter desde logo o referendo de medida cautelar em julgamento de mérito e julgar parcialmente procedentes os pedidos, ratificando integralmente os termos da cautelar anteriormente deferida.

O julgamento, todavia, até o momento não se concluiu, estando atualmente suspenso em virtude de pedido de vista do eminente Ministro André Mendonça.

Após o início do julgamento do feito pelo Plenário, diversas entidades têm comparecido aos autos para noticiar supostas instâncias de descumprimento da medida cautelar concedida.

Em 25.10.2023, a Associação Brasileira de Mantenedoras das Faculdades Isoladas e Integradas (ABRAFI) e o Sindicato das Instituições Particulares de Ensino Superior do Estado de Pernambuco (SIESPE), ambos amici curiae admitidos nos autos, compareceram em juízo para apresentar fato novo que, conforme acreditam, consubstanciaria descumprimento da medida cautelar (eDOC 399).

Indicaram que, ainda pendente o referendum da cautelar, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) do MEC expediu a Portaria 397, de 20.10.2023, como forma de, em tese, adequar seu padrão decisório aos termos determinados pela decisão cautelar. Nada obstante, referido ato normativo, na visão das entidades peticionantes, descumpriria frontalmente os termos da medida cautelar concedida, deixando de observar os critérios transitórios assinalados cautelarmente.

Alegam que a autuação infralegal do Ministério, em verdade, estabelece requisitos desproporcionais destinados a impossibilitar o êxito dos pedidos administrativos e, sobretudo, a permitir a rejeição sumária de todos os processos administrativos que versassem sobre a instalação de curso ou o acréscimo de vagas em município distinto daqueles préselecionados no Edital de Chamamento Público 1/2023, mesmo aqueles já com trâmite avançado.

Requereram, ao final, fosse reafirmada a autoridade da decisão cautelar, como forma de conformar a norma administrativa a tudo quanto decidido neste feito.

Em semelhante sentido, diversos outros amici curiae vieram aos autos sustentando o descumprimento da medida cautelar pela Portaria SERES/MEC 397/2023, como o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Pará (SINEPE-PA) (eDOC 406), o Sindicato das Instituições Particulares de Ensino Superior do Estado da Paraíba (SIESPB) (eDOC 408), a Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES) (eDOC 412), o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e a Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (ABRUC) (eDOC 418).

Em tal contexto, intimei a Advocacia-Geral da União para se manifestar sobre as petições apresentadas, bem como para prestar os esclarecimentos e informações que entendesse pertinentes acerca do tema (eDOC 416).

Sobreveio, então, manifestação por meio da qual a União defendeu a legitimidade de seus atos, sustentando que a norma administrativa objurgada em nada ofende à deliberação cautelar mas, ao invés, apenas propicia os meios administrativos necessários ao seu cumprimento (eDOC 425).

Informou, ainda, que a Portaria SERES/MEC 397/2023 foi objeto de alteração pela Portaria SERES/MEC 421/2023, não mais subsistindo a previsão originária que admitia o indeferimento sumário dos pedidos administrativos.

Concluiu, ao final, que, diante desse novo cenário normativo, o seguimento dos processos administrativos ainda hoje pendentes estaria garantido, possibilitando sua tramitação regular até a avaliação in loco pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), se o caso.

Por fim, em 12.12.2023, a Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP/Unaerp) veio aos autos sustentar que a medida cautelar teria sido descumprida também por decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos autos do REsp 2.043.918/SP.

Afirmou que, conforme manifestação do próprio MEC neste feito, encontra-se alcançada pelos efeitos da medida cautelar – notadamente pelo contido no item “(i)” da decisão, que garante a manutenção novos cursos de medicina já instalados por força de decisões judiciais embasadas na Lei 10.861/2004 –, tendo recebido autorização administrativa para instalação de curso de medicina após decisão jurisdicional a seu favor.

Registrou que, após a citada deliberação administrativa, deu efetivo início às suas atividades, oferecendo ensino médico à comunidade acadêmica local.

Referiu que, em que pese tal quadro jurídico garantidor de sua posição diante da Administração Pública, a manutenção do curso de medicina ora ofertado estaria ameaçada por decisão monocrática do STJ que negou provimento a Recurso Especial interposto pela peticionante, deliberação que, concretamente, retira-lhe o direito de prosseguir em seu ramo de atuação.

É o relato do necessário. Decido.

Apesar de ter, a princípio, optado por aguardar a solução definitiva da causa pelo Plenário antes de apreciar eventuais situações pendentes, a persistência e a multiplicidade de manifestações alegando o descumprimento da medida cautelar – conjugada com a reiterada edição, por parte do MEC, de normas administrativas que versam sobre o tema objeto destes autos – conduzem à necessidade de novo provimento que devidamente esclareça e aprofunde o significado da decisão cautelar, elucidando suas diretrizes para a resolução administrativa ou judicial dos casos concretos.

Quanto à alegação de descompasso entre os termos da medida cautelar e os ditames da Portaria SERES/MEC 397/2023, entendo que, após as alterações ao referido ato normativo promovidas pelo próprio MEC, não há descumprimento da medida cautelar, desde que as normas ali contidas sejam interpretadas a partir dos parâmetros assentados quando da prolação do decisum acautelatório.

De fato, a possibilidade de rejeição sumária dos pedidos administrativos de instalação de curso ou de acréscimo de vagas em município distinto daqueles pré-selecionados no Edital de Chamamento Público 1/2023, prevista originalmente no art. 2º, caput e parágrafo único, da Portaria SERES/MEC 397/2023 realmente afrontava o que foi determinado pela deliberação cautelar.

Como fiz questão de ressaltar acima, a presente ação declaratória de constitucionalidade foi ajuizada no contexto de considerável litigiosidade judicial caracterizado pela proliferação de decisões que excepcionavam a regra do art. 3º da Lei 12.871/2013 e autorizavam a criação de vagas em cursos de medicina com base em sistemática legal distinta, notadamente a Lei que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (Lei 10.861/2004).

Embora entenda que as sistemáticas do Mais Médicos e do SINAES possuem premissas e objetivos absolutamente dissonantes, afigurando-se inviável, enquanto viger a política pública do Mais Médicos, a abertura de cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004 sem o prévio chamamento público e a observância dos critérios previstos na Lei 12.871/2013, é preciso atentar para situações transitórias estabelecidas sob o manto de deliberações administrativas ou judiciais.

Isto é, é inegável que as inúmeras decisões judiciais obtidas por instituições de ensino superior que determinaram a análise de pedidos de abertura de vagas de graduação em medicina exclusivamente com base na Lei 10.861/2004 geraram situações hoje possivelmente consolidadas, cuja desconstituição pura e simples, de forma irrefletida e genérica, teria o condão de trazer prejuízos de dificílima mensuração. É que a repentina modificação da realidade consolidada traria danos não apenas aos empresários do ramo educacional responsáveis pelas referidas instituições de ensino, como também a toda sorte de terceiros, desde alunos até a própria comunidade local atendida pela instituição de ensino.

Não por acaso, quando da concessão da medida cautelar, considerei pertinente ponderar que:

Nesse contexto, inúmeras instituições de ensino prosseguiram com processos de implantação de suas unidades educacionais, investindo recursos financeiros e humanos em empreendimentos avalizados pelo Poder Judiciário e pelo Poder Executivo.

  • E, a par dessa situação do empreendedor, faculdades de medicina são inegavelmente impactantes para a comunidade em que instaladas, movimentando a economia local e gerando expectativas em moradores, funcionários e alunos.
  • Por conseguinte, é necessário que esta decisão, a par de expor a compreensão constitucional da Corte sobre o dispositivo impugnado, encaminhe solução para os processos judiciais e administrativos em curso, especialmente no tocante às decisões judiciais liminares proferidas e ainda vigentes.
  • Há inegável interesse social na adoção de solução que contemple as faculdades instaladas com base em decisões judiciais que dispensaram o chamamento público e determinaram a análise do procedimento de abertura do curso de medicina ou de novas vagas em cursos existentes com base na Lei 10.861/2004.
  • Malgrado não tenham observado o chamamento público ou o modelo de contrapartidas da Lei do Mais Médicos, essas faculdades a rigor cumpriram os requisitos do Decreto 9.235/2017 e de seus atos regulamentares, sendo validadas por verificação in loco de comissão de especialistas, parecer do Conselho Nacional de Saúde e parecer final da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior.
  • Em outras palavras, ainda que não seja o trâmite da política pública considerada constitucional nestes autos, é inegável que esses cursos cumpriram os requisitos mínimos para funcionamento regular, não oferecendo riscos à população e ao seu mercado consumidor. Pelo contrário, é do interesse da sociedade que esse longo processo de instalação das faculdades, com admissão de alunos e corpo docente, não seja revertido.
  • Outrossim, essas razões se aplicam aos cursos que estão em fase de análise perante o Ministério da Educação, por força de decisão judicial. Também aqui a segurança jurídica deve ser prestigiada, de modo a permitir que os processos administrativos que ultrapassaram a fase inicial de análise documental a que se refere o art. 19, § 1º do Decreto 9.235/2017 tenham regular seguimento.
  • Esse marco justifica-se porque esses pedidos de credenciamento que superaram a fase inicial obtiveram do Poder Público decisão favorável, no sentido de que, ao menos a partir de análise documental, constituem projetos minimamente viáveis.
  • Anoto, porém, que nas etapas seguintes do processo de credenciamento – verificação in loco de comissão de especialistas, parecer o Conselho Nacional de Saúde e parecer final da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior –, as diversas instâncias técnicas convocadas a se pronunciar devem observar se o novo curso de medicina atende integralmente aos critérios previstos no § 7º do art. 3º da Lei 12.871/2013.
  • Ademais, o credenciamento deve observar o preenchimento, pelo Município que receberá o novo curso, dos pressupostos previstos no § 1º do art. 3º da Lei 12.871/2013, além da formalização do termo de adesão pelo gestor local e adimplemento da contrapartida financeira pela instituição de ensino superior, estabelecidos pelo § 2º do art. 3º da Lei 12.871/2013. (eDOC 306, pp. 50/51)

Nesse contexto, todo o raciocínio subjacente à deliberação cautelar parte justamente da premissa segundo a qual razões de segurança jurídica impõem que seja assegurada às instituições de ensino que ultrapassaram a fase inicial de análise documental a que se refere o art. 19, § 1º do Decreto 9.235/2017 a oportunidade de comprovar, no bojo do processo administrativo em que pleiteiam a abertura/expansão de vagas em cursos de graduação de medicina, a existência de interesse social em sua pretensão, ainda que localizadas em municipalidades não contempladas por editais de chamamento público.

Trata-se de análise que deve ser realizada caso a caso e sempre com respeito ao contraditório, como medida de realização do devido processo legal administrativo.

Assegurar tal oportunidade, obviamente, não exime as instituições postulantes de comprovar igualmente o cumprimento dos demais requisitos previstos na Lei do Mais Médicos, notadamente aqueles contidos no § 7º de seu art. 3º, bem como o preenchimento, pelo Município que receberá as vagas, dos pressupostos previstos no § 1º do art. 3ª da Lei 12.871/2013, como igualmente ressaltei em sede cautelar.

Todos esses requisitos, inclusive aquele relativo à comprovação de interesse social, devem ser provados por todos os meios em direito admitidos (com a possível oitiva da sociedade civil organizada, e do ente federado local, considerados seus órgãos impactados pelo ensino superior médico), e, notadamente, por insumos de natureza técnica. Nesse sentido, compete à administração atuar processualmente como forma de garantir aos interessados a produção de tal prova, sem que haja espaços para deliberações calcadas em questões que não tenham sido objeto do devido processo legal.

De resto, cumpre à Administração atuação processual zelosa, sem que se admitam inércia administrativa ou atrasos injustificados, dado que a razoável duração do processo (Constituição, art. 5º, LXXVIII) igualmente integra a cláusula do devido processo legal administrativo.

Neste particular, malgrado o MEC, por meio da Portaria 650/2023, tenha recentemente retomado a política pública dos chamamentos públicos para novos cursos de medicina, é imperioso ressaltar que grande parte das decisões judiciais que autorizaram a oferta de novas vagas à margem da sistemática do art. 3º da Lei 12.871/2013 foi prolatada na ambiência da Portaria MEC 328/2018, que suspendeu por cinco anos a publicação de editais de chamamento público para autorização de novos cursos de graduação em medicina.

Como salientei na decisão cautelar, tal moratória, praticada por anos sem a correspondente reestruturação do sistema, conviveu, ainda, com o aumento de vagas em cursos em funcionamento fora da sistemática preconizada pela Lei 12.871/2013, razão pela qual engendrou distorções relevantes e deu azo a especulações sobre a formação de reserva de mercado e criação discricionária de barreiras à entrada.

Em verdade, tal opção governamental contribuiu consideravelmente para o atual estado de insegurança jurídica instaurado na matéria. Nesse cenário, para aqueles que, por força de decisão judicial, alcançaram etapa de trâmite administrativo avançado, faz todo sentido analisar detidamente eventual interesse social na pretensão de oferta de novas vagas no curso do processo administrativo, uma vez que restou interditada a política pública de indicação prévia dos locais em que novas vagas deveriam ser abertas.

Por tudo isso, a determinação de rejeição sumária dos pleitos de oferta de novas vagas “em município distinto daqueles pré-selecionados no Edital de Chamamento Público 1/2023”, prevista originalmente no parágrafo único do art. 2ª da Portaria SERES/MEC 397/2023, violava frontalmente as diretrizes contidas expressamente na decisão cautelar.

Observo, todavia, que esta previsão não mais subsiste. Conforme noticiou a Advocacia-Geral da União (eDOC 425), a Portaria SERES/MEC 421/2023 promoveu consideráveis alterações na Portaria SERES/MEC 397/2023, dentre as quais a alteração de seu art. 2º, que não mais prevê a possibilidade de indeferimento sumário originalmente elaborada. Quanto ao ponto, vige atualmente a seguinte redação:

Art. 2º Para o atendimento ao § 1º do art. 3º da Lei nº 12.871, de 2013, será verificado se o município em que se pretende ofertar novo curso de medicina ou aumentar vaga em curso de medicina já existente atende aos critérios de:

  1. – relevância e necessidade social da oferta de curso demedicina; e
  2. – existência, nas redes de atenção à saúde do SUS, deequipamentos públicos adequados e suficientes para a oferta do curso de medicina, incluindo, no mínimo, os seguintes serviços, ações e programas:
    • atenção básica;
    • urgência e emergência;
    • atenção psicossocial;
    • atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e
    • vigilância em saúde.

Assim sendo, observo que o Ministério da Educação, por meio da edição da Portaria SERES/MEC 421/2023, passou a adotar orientação que deixou de destoar dos parâmetros estabelecidos na deliberação cautelar, não mais subsistindo arrimo normativo a deliberações sumárias, que, embasadas em raciocínios destoantes da decisão cautelar, poderiam ensejar o indeferimento genérico de pedidos em descompasso com o devido processo legal administrativo.

Nada a prover, portanto, no particular, com o registro de que deve ser assegurada às instituições de ensino que ultrapassaram a fase inicial de análise documental a que se refere o art. 19, § 1º do Decreto 9.235/2017 a oportunidade de comprovar, no bojo do processo administrativo em que pleiteiam a abertura de vagas em cursos de graduação de medicina, a existência de interesse social, ainda que localizadas em municípios não contemplados no Edital de Chamamento Público 1/2023.

Realmente, não obstante a inobservância da sistemática do chamamento público, tais processados administrativos devem prosseguir por força do provimento cautelar, com respeito ao contraditório e à ampla defesa, não se admitindo nem o açodamento instrutório (com o indeferimento injustificado de pleitos de produção de prova), nem a inércia administrativa permeada por eventuais atrasos injustificados, dado que a razoável duração do processo (Constituição, art. 5º, LXXVIII) igualmente integra a cláusula do devido processo legal administrativo.

Quanto às objeções levantadas contra as exigências constantes do art. 8º, caput, VI e VII, da Portaria SERES/MEC 397/2023 em sua redação originária, entendo que, uma vez mais, as alterações promovidas pela Portaria SERES/MEC 421/2023 conduziram à devida adequação entre o teor da deliberação cautelar e a normativa administrativa formulada.

A impugnação direcionada a tais normas pugna pelo reconhecimento de que, quanto aos pleitos de abertura de curso, são por demais gravosos os requisitos então estabelecidos, os quais se revelariam, em concreto, irrealizáveis.

Para os amici curiae, o caráter desproporcional das regras em questão demonstra que, em verdade, a atuação do Ministério teria por finalidade apenas rejeitar todos os pedidos administrativos em curso, em franca contradição com a ordem cautelar deferida.

Em contraposição a essa ordem de ideias, convém considerar que, de fato, num primeiro momento, estavam dispostos em um único comando os critérios que deveriam subsidiar o julgamento dos pedidos administrativos voltados (i) à abertura de cursos de medicina, bem como (ii) ao aumento de vagas em cursos de medicina já existentes.

Eis o teor do preceito administrativo impugnado:

Art. 8º A análise do pedido de abertura de cursos de medicina e de aumento de vagas em cursos de medicina já existentes observará, necessariamente, a estrutura de equipamentos públicos e programas de saúde existentes e disponíveis no município de oferta do curso, atendendo aos seguintes critérios:

  1. – existência de, no mínimo, 5 (cinco) leitos do SUSdisponibilizados para o campo de prática por vaga solicitada;
  2. – existência de Equipes Multiprofissionais de AtençãoPrimária à Saúde;
  3. – existência de no máximo 3 (três) alunos por equipe deSaúde da Família – eSF;
  4. – existência de leitos de urgência e emergência oupronto-socorro;
  5. – grau de comprometimento dos leitos do SUS parautilização acadêmica;
  6. – existência de, ao menos, 3 (três) Programa de Residência Médica – PRM implantados nas especialidades prioritárias que tenham sido definidas pelo gestor da rede de saúde local, apreciado pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde – SGTES/MS e pela Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM, com taxa de ocupação total das vagas (R1 e R+) superior a 50% (cinquenta por cento); e
  7. – hospital de ensino ou unidade hospitalar com maisde 80 (oitenta) leitos, com potencial para ser certificada como hospital de ensino, conforme legislação vigente.
  • § 1º O não atendimento dos critérios listados nos incisos I, III, IV, V e VI deste artigo ensejará o indeferimento do pedido pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação do Ministério da Educação – Seres/MEC.

Ocorre que, por força da Portaria SERES/MEC 421/2023, promoveuse verdadeira especialização normativa, separando-se em cláusulas distintas os requisitos aplicáveis a cada uma das espécies de pedido: no parágrafo primeiro da nova redação do art. 8º, as exigências endereçadas aos pedidos de abertura dos cursos de medicina; no parágrafo 2º do mesmo artigo, os requisitos aplicáveis aos pedidos de aumento de vagas. Perceba-se:

  • Art. 8º A análise do pedido de abertura de cursos de medicina e de aumento de vagas em cursos de medicina já existentes observará, necessariamente, a estrutura de equipamentos públicos e programas de saúde existentes e disponíveis no município de oferta do curso.

§ 1º Os processos de pedido de abertura de cursos de medicina deverão atender aos seguintes critérios:

  1. – existência de, no mínimo, 5 (cinco) leitos do SistemaÚnico de Saúde – SUS disponibilizados para o campo de prática por vaga solicitada;
  2. – existência de Equipes Multiprofissionais de AtençãoPrimária à Saúde;
  3. – existência de leitos de urgência e emergência oupronto-socorro;
  4. – grau de comprometimento dos leitos do SUS para utilização acadêmica; e
  5. hospital de ensino ou unidade hospitalar com mais de80 (oitenta) leitos, com potencial para ser certificada como hospital de ensino na região de saúde, conforme legislação vigente.
  • § 2º Os processos de pedido de aumento de vagas em cursos de medicina já existentes deverão atender aos seguintes critérios:
  1. – existência de, no mínimo, 5 (cinco) leitos do SUSdisponibilizados para o campo de prática por vaga solicitada;
  2. – existência de Equipes Multiprofissionais de AtençãoPrimária à Saúde;
  3. – existência de no máximo 3 (três) alunos por equipe deSaúde da Família – eSF;
  4. – existência de leitos de urgência e emergência oupronto-socorro;
  5. – grau de comprometimento dos leitos do SUS para utilização acadêmica;
  6. – existência de, ao menos, 3 (três) Programa de Residência Médica – PRM implantados nas especialidades prioritárias que tenham sido definidas pelo gestor da rede de saúde local, apreciado pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde – SGTES/MS e pela Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM, com taxa de ocupação total das vagas (R1 e R+) superior a 50% (cinquenta por cento); e
  7. – hospital de ensino ou unidade hospitalar com maisde 80 (oitenta) leitos, com potencial para ser certificada como hospital de ensino, conforme legislação vigente.
  • § 3º O não atendimento dos critérios listados nos incisos I, III, IV e V do §1º deste artigo ensejará o indeferimento do pedido de abertura de cursos de medicina pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação do Ministério da Educação – Seres/MEC.
  • § 4º O não atendimento dos critérios listados nos incisos I, III, IV, V e VI do §2º deste artigo ensejará o indeferimento do pedido de aumento de vagas em cursos de medicina já existentes pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação do Ministério da Educação – Seres/MEC.

Firmada essa premissa, tenho que se algo havia capaz de subsidiar o argumento das entidades peticionantes no particular, tal situação restou solucionada pelas alterações promovidas pela Portaria SERES/MEC 421/2023, que bem dimensionou as diferenças inerentes à regulamentação de duas hipóteses de naturezas tão díspares que, por isso, pressupõem premissas fáticas diversas entre si.

Com a posterior adequação normativa, tudo indica que a providência administrativa levada a efeito supera o descrédito levantado (eDOC 412, fls. 11/12), sem que haja elementos que deem suporte à conclusão trazida a juízo.

Quanto ao próprio mérito das exigências questionadas, convém deixar assentado um registro. Sem ignorar que o requisito do inciso V, § 1º, do art. 8 (aplicável aos pedidos de abertura) é menos gravoso do que aquele contido no inciso VI, § 2º, do mesmo artigo (incidente este último sobre os requerimentos de aumento de vagas), cumpre assinalar que a postura jurisdicional em casos como o presente há de ser parcimoniosa, permitindo que a expertise do órgão público responsável pela política pública possa desenvolver-se sem intervenções judiciais que pretendam substituir a Administração.

De fato, presente agora diferenciação normativa que parece respeitar a natureza das coisas (a exigências para a instalação de um curso superior, ao menos em tese, devem ser diversas daquelas endereçadas para a ampliação acadêmica), tenho por descabida análise judicial que se proponha a conferir, no mérito, a conveniência de cada uma das opções da Administração.

Dessa forma, inexistente teratologia ou manifesta desproporção (como se dá no caso), não é caso de conferir o pormenor meritório dos requisitos estipulados, a despeito da argumentação trazida pelos amici curiae. Relembro que essa ordem de ideias, em seu núcleo fundamental, igualmente norteou as razões declinadas por ocasião da decisão cautelar (eDOC 306, fls. 16-20).

Por derradeiro, quanto ao pleito específico formulado pela AERP/Unaerp, entendo ser o caso de acolhimento parcial da pretensão articulada, ao menos de forma precária, como é próprio dos provimentos cautelares, de modo a explicitar de que forma devem ser resolvidas as questões referentes a cursos de medicina já instalados com base em decisões judiciais precárias que autorizaram o seu funcionamento a despeito de não terem observado a regra do chamamento público.

Em favor da plausibilidade do direito da peticionante, registro que se encontra satisfatoriamente demonstrada a necessidade de reafirmação da autoridade da decisão cautelar, a fim de reconhecer que sua situação jurídica encontra-se respaldada pelo decisum acautelador.

De fato, a hipótese narrada se enquadra dentre as situações transitórias alcançadas pela medida cautelar, de modo que é necessário conferir à pleiteante a segurança jurídica endereçada aos cursos já instalados, conforme distinguishing assentado em minha decisão acautelatória.

No particular, com razão a peticionante quanto ao fato de que a controvérsia constitucional versa apenas sobre a constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 individualmente considerada, mas trata, sobretudo, dos parâmetros constitucionalmente adequados de aplicação das normas de regência no contexto das práticas administrativas de criação, ampliação e controle de funcionamento de cursos de medicina no país.

A esse respeito, conforme já adiantado, ainda que o provimento jurisdicional requerido na petição inicial tenha sido a declaração de constitucionalidade do 3º da Lei 12.871/2013, é preciso reconhecer que tal pedido foi formulado perante eloquente conjunto de decisões administrativas e judiciais autorizadoras da criação/expansão de cursos de graduação em medicina, muitas vezes sem observância da regra do chamamento público. É apenas tendo em conta esse contexto que se pode aferir o efetivo escopo cognitivo da causa constitucional ora apreciada.

Dessa forma, ainda que a instalação do curso de medicina da AERP/Unaerp tenha sido pleiteada em cenário normativo anterior à própria vigência da Lei 12.871/2013 (o requerimento nesse sentido é de 12.3.2013, embora a autorização de instalação do curso só tenha sido concedida em 12.2.2019), sua situação insere-se dentro daquelas situações fáticas normatizadas pela decisão cautelar, por se tratar de hipótese em que se discute judicialmente a situação de curso de medicina já instalado com base nos requisitos procedimentais contidos na Lei do SINAES (Lei 10.861/2004).

Ao menos em tese, é possível divisar diversos possíveis desfechos da apreciação desta causa pelo Plenário do STF que impactariam diretamente a situação da peticionante, neles incluído o próprio cenário aventado na medida cautelar.

Ademais, a demonstrar de forma cabal que a situação da peticionante encontra-se inserida no escopo da controvérsia constitucional discutida nestes autos, é impossível ignorar que a própria Administração Pública, em informações prestadas em 16.11.2022, pouco após a realização da audiência pública, veio aos autos indicar o curso de medicina da UERP/Unaerp dentre aqueles que, por força de decisão judicial, tiveram seus pleitos de instalação analisados e, ao final, superaram as exigências normativas respectivas, obtendo autorização de funcionamento (Portaria 48, de 12.2.2019):

  • Observa-se que por força de decisão judicial, foram concluídas as análises em fase de parecer final de 8 processos para autorização de curso de medicina, dos quais foram autorizadas 821 (oitocentas e vinte e uma) vagas de curso de medicina, conforme pode ser observado na Aba 2 – Finalizados – Favorável, constante no SEI nº 3653531, e em síntese na tabela abaixo:
  • Associação de Ensino de Ribeirão Preto — Autorização de Curso de medicina — nº de vagas: 120 — Portaria nº 48 de 12/02/2019 (eDOC 242, p. 10)

Fixadas essas premissas, cumpre ressaltar que, em contraposição às situações aventadas nos pedidos dos amici curiae acima apreciados, a situação ora apreciada enquadra-se com ainda mais intensidade dentre as hipóteses de necessária proteção da segurança jurídica e da confiança legítima normatizadas pela decisão cautelar por se tratar de curso de medicina já instalado.

Destarte, na qualidade de curso de medicina já instalado mediante a adoção, por força de decisão judicial, de fórmula de análise alheia à sistemática do chamamento público, a hipótese se enquadra no item “(i)” do dispositivo da medida cautelar, que dispõe o que segue (eDOC 306, p. 53 – grifo nosso):

  • No que concerne aos processos judiciais e administrativos que tratam do tema objeto desta ação, determino que:
  • (i) sejam mantidos os novos cursos de medicina já instalados – ou seja, contemplados por Portaria de Autorização do Ministério da Educação – por força de decisões judiciais que dispensaram o chamamento público e impuseram a análise do procedimento de abertura do curso de medicina ou de ampliação das vagas em cursos existentes nos termos da Lei 10.861/2004;

Por isso, a apreciação da demanda judicial em que discutido requerimento formulado pela requerente para fins de instalação do curso junto ao MEC (ação essa em que se debate a eventual revisão do provimento jurisdicional a partir do qual se deu a instalação do curso de medicina) deve necessariamente levar em consideração o decidido nestes autos, com observância cautelar anteriormente concedida e ora submetida ao Plenário.

Tal diretriz geral faz nascer a conclusão de que a apreciação do REsp. 2.043.918/SP deve necessariamente considerar os termos do que restar decidido nesses autos, de forma que a decisão que vier a ser tomada naquele recurso não pode ir de encontro à decisão cautelar.

Nesse cenário, havendo na espécie desrespeito ao teor do decisum acautelatório (vide eDOC 449) – e por se tratar do primeiro pedido dessa natureza realizado nestes autos –, julgo adequado determinar, em desdobramento da cautelar anteriormente concedida, a suspensão dos efeitos da decisão monocrática que negou provimento ao recurso especial sem considerar os termos da tutela acautelatória concedida nestes autos (eDOC 449), bem como do curso processual da lide aludida até posterior decisão deste Tribunal.

Nesse ínterim, deve ser garantido à AERP/Unaerp o direito de permanecer desenvolvendo suas atividades acadêmicas nos termos da Portaria de Autorização de Curso SERES/MEC 48/2019. No ponto, tenho que ambas as providências decorrem diretamente da medida cautelar anteriormente concedida nestes autos (eDOC 306).

Trata-se, no particular, de medida que se impõe na medida em que a peticionante efetivamente instalou o curso pretendido com o pleno desenvolvimento das atividades acadêmicas, realidade que até hoje se mantém.

Sendo esses os contornos concretos, bem se vê que a possibilidade de, neste momento, dar-se a paralisação das atividades acadêmicas ofertadas pela AERP/Unaerp ofende gravemente a segurança jurídica e tem o condão de causar graves prejuízos à esfera jurídica de terceiros – justamente os prejuízos que a decisão cautelar almejou evitar.

Ora, se o decisum acautelatório teve por objetivo justamente prestigiar a justa expectativa daqueles que lograram alcançar a instalação, fora da sistemática de chamamento público, de curso de medicina junto ao MEC, parece fora de dúvida que o decidido há de salvaguardar a pleiteante.

Por isso, considerado o vultoso empreendimento humano e financeiro envolvido na instalação e funcionamento de um curso de medicina com a oferta de 120 vagas, não há dúvidas de que a irradiação dos efeitos da decisão combatida – que concretamente impedem o desenvolvimento das atividades acadêmicas hoje realizadas – dão contornos de urgência ao pleito aviado.

Nesse sentido, a imediata e abrupta interrupção das atividades da peticionante no campus de Guarujá geraria prejuízos não só a ela mesma, mas a toda a comunidade que, subitamente, ver-se-ia privada dos inúmeros préstimos envolvidos na atividade acadêmica desenvolvida.

Outrossim, é inegável que a não adoção de medida alguma parante o pleito formulado implicaria múltiplos danos individuais e transindividuais que nem de longe poderiam ser remediados por ulterior decisão que, mais tarde, viesse a reconhecer o desacerto da decisão guerreada.

Sob esse outro ângulo, há de se ressaltar a plena reversibilidade da determinação de suspensão do curso processual ora aludida. No particular, a medida ora tomada não impede que, adiante, a questão venha a ser revista, caso o Plenário, que atualmente aprecia a medida cautelar concedida, decida em sentido distinto daquele aventado na decisão cautelar.

De resto, a concretização deste decisum, sem conteúdo irreversível algum, apenas dá respaldo a deliberação administrativa exarada pela Administração em fevereiro de 2019 (Portaria de Autorização de Curso SERES/MEC 48/2019), garantindo a continuidade fática de situação deflagrada há quase três anos.

Sendo assim, entendo que é caso de imediata suspensão dos efeitos da decisão monocrática proferida nos autos do REsp. 2.043.918/SP e do respectivo curso processual até posterior decisão deste Tribunal, garantindo à peticionante, nesse ínterim, o direito de permanecer desenvolvendo suas atividades acadêmicas nos termos da Portaria de Autorização de Curso SERES/MEC 48/2019, como decorrência direta da cautelar deferida nestes autos (eDOC 306).

Ante todo o exposto, a título de elucidação, densificação e consequente desdobramento da medida cautelar originalmente concedida (eDOC 306), acolho parcialmente os requerimentos ora apreciados para:

  • assentar que a Portaria SERES/MEC 397/2023, com redação dadapela Portaria SERES/MEC 421/2023 adéqua-se à cautelar proferida, devendo ser necessariamente interpretada de modo a assegurar às instituições de ensino que ultrapassaram a fase inicial de análise documental a que se refere o art. 19, § 1º do Decreto 9.235/2017 a oportunidade de comprovar, no bojo do processo administrativo em que pleiteiam a abertura de vagas em cursos de graduação de medicina, a existência de interesse social em sua pretensão, ainda que localizadas em municipalidades não contempladas por editais de chamamento público;
  • assentar que a análise ser realizada nos processos referidos noitem “i” supra deve ocorrer à luz das características particulares de cada caso concreto, garantido o contraditório, a razoável duração do processo e todos os demais consectários da cláusula do devido processo legal administrativo;
  • assentar que a apreciação de demanda judicial relativa a cursode medicina que veio a ser instalado, no curso do iter processual, por força de decisão judicial precária que determinou ao MEC a realização de análise de requerimento de instalação fora da sistemática do art. 3º da Lei 12.871/2013 (v.g., os cursos de medicina listados pelo MEC nas informações que prestou a esta Corte – eDOC 242, p. 10) deve necessariamente levar em consideração o decidido nestes autos, notadamente os termos da medida cautelar concedida (eDOC 306), bem como a decisão final a que chegar este Tribunal;
  • determinar, em decorrência da medida cautelar anteriormenteconcedida nestes autos (eDOC 306), a suspensão dos efeitos da decisão monocrática que negou provimento ao REsp. 2.043.918/SP (eDOC 449), bem como do curso processual da referida lide até posterior decisão deste Tribunal, garantindo-se à AERP/Unaerp, nesse ínterim, o direito de permanecer desenvolvendo suas atividades acadêmicas nos termos da Portaria de Autorização de Curso SERES/MEC 48/2019.

Comunique-se, com urgência, o Ministro de Estado da Educação e o Advogado-Geral da União, com cópia desta decisão.

Oficie-se à eminente relatora do REsp. 2.043.918/SP, bem como aos Presidentes de todos os Tribunais Regionais Federais do país, com cópia desta decisão. A comunicação aos Juízos de 1º grau deverá ser feita pelo Tribunal com os quais mantenham vinculação administrativa.

Embora entenda que o presente pronunciamento constitui-se como decorrência direta da cautelar anteriormente deferida (eDOC 306), considerado o inequívoco acréscimo de fundamentação constante das considerações acima articuladas, julgo ser o caso de submeter a presente deliberação ao escrutínio do Plenário para referendo (RISTF, art. 21, V), a ser realizado preferencialmente em conjunto com a retomada do referendo da própria cautelar anterior, cujo julgamento ainda não se finalizou.

Assim sendo, inclua-se em pauta para o julgamento colegiado do referendo da medida cautelar em Plenário Virtual (RISTF, art. 21, V).

Publique-se. Intimem-se

Brasília, 22 de dezembro de 2023.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp

sob o código 89F7-F219-6F39-C4F8 e senha A259-5EBC-C119-C13D


Sem comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *