Trata-se Parecer Técnico com escopo de subsidiar interpretação frente a vigência do Decreto Federal nº. 8.727, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre o uso do nome social.
De acordo com o artigo 1º, Parágrafo único, inciso I, do Decreto Federal nº. 8.727, de 28 de abril de 2016, “nome social se refere a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida. ”
O inciso II, por sua vez, define que identidade de gênero é a “dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento. O Decreto Federal nº. 8.727/2016, vem atender a pleito de longa data de movimentos ligados a direitos da comunidade LGBTQIA+.
Nesse sentido:
- Em síntese, para a reivindicação e efetivação de direitos, que deve passar pela política cultural, social, de igualdade e, consequentemente, de diferença, é preciso que a noção de sujeito de direito seja construída sobre as bases da ideia do conceito de pessoa. Pode-se afirmar a construção legislativa fundamentada no progresso da espécie humana em suas mais amplas e criativas possibilidade. (VIJALES, Fabrício. Entre migalhas e direitos. Um estudo crítico do uso do nome social, da retificação do nome no registro civil por travestis e transexuais e suas fragilidades. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Metanoia, 2016, página 30.)
Assim, o texto legal em vigor merece atenção, sobretudo em razão da temática proposta, que exigem a implementação do nome social em todos os setores de nossa sociedade.
Nesse sentido, os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autarquia e fundações, devem adotar em seus atos e procedimentos o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com respectivo requerimento do interessado.
Tão importante quanto o mencionado texto legal, a Resolução nº 12, de 16 de janeiro de 2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, preconiza que:
- Art. 1° Deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino, em todos os níveis e modalidades, o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero, mediante solicitação do próprio interessado.
Por isso, deverá constar o campo nome social nos registros de sistema de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congênere, dentre outros.
Vale dizer que o nome social deverá vir em destaque nos documentos acima descritos, acompanhado do nome civil, nesse sentido prescreve o artigo 5º do Decreto nº. 8.727/2016:
- Art. 5º O órgão ou a entidade da administração pública federal direta, autárquica e fundacional poderá empregar o nome civil da pessoa travesti ou transexual, acompanhado do nome social, apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
Assim, é de suma importância a aplicação da normativa que regula o nome social (quando solicitado).
Nota-se que mesmo antes da edição do Decreto nº. 8.727/2016, há precedentes judiciais já acolhiam pedidos acerca da implementação do uso do nome social em escolas, tendo por base o direito fundamental constitucional a liberdade:
- EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUALIDADE. CRIANÇAS E ADOLESCENTES. USO DE NOME SOCIAL DO ALUNO EM ESCOLAS. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE GÊNERO. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE, LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE, PRIVACIDADE E RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. TRATADOS INTERNACIONAIS. INTERPRETAÇÃO. DEVER DE CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO Nº. 12/2015/CNCD. 1. Trata-se de ação ajuizada pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de Santa Catarina em face da União para que as escolas por ele representadas sejam desobrigadas do cumprimento da Resolução nº. 12/2015, exarada pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, órgão vinculado ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD). 2. Há relevância no julgamento, com apreciação do mérito, da presente ação, com a finalidade de propiciar ao Sindicato autor e às escolas por ele representadas o parâmetro de cumprimento da referida Resolução, não sendo caso de carência de ação. 3. Dever de cumprimento da Resolução nº. 12/2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que, ainda que possua status de recomendação, afigura-se enquanto ato normativo visando a elucidar a melhor interpretação e tomada de ações concretas visando à reparação das violações de direitos humanos que o Estado brasileiro, conjuntamente com toda a sociedade, comprometeu-se a efetivar. 4. A sociedade como um todo (nela incluídas em papel de destaque as escolas) e em especial os órgãos estatais, notadamente o Judiciário, possuem o dever de concretização de direitos fundamentais expressos no texto constitucional, e, com especial relevância, o da dignidade da pessoa humana, de forma a impedir a agressão por parte de terceiros, a segregação, e a discriminação contra pessoas transgênero, transexuais e travestis, além de garantir seu direito de identidade e de integridade psíquica e intelectual. 5. Normas internas e internacionais, sobretudo em Declarações Internacionais (Declaração Universal dos Direitos Humanos e Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata de 2001), reconhecem o direito à pessoa de se expressar e de assim ser respeitada conforme se apresenta socialmente e de não ser em hipótese alguma discriminada (art. 3º, IV, CRFB). 6. Segundo a Portaria nº 33/18 do MEC, deve ser utilizado o nome civil nas escolas representadas pelo Sindicato autor quando presente a anuência dos pais do estudante, independentemente de sua idade, pelo próprio Ministério da Educação. 7. Há que se atentar ao dever de proteção integral às crianças e adolescentes, à sua integridade física, psíquica e moral, com a preservação da sua identidade e personalidade, autonomia, e valores – a qual abrange o respeito ao nome com o qual o menor de fato se identifica, sem ser forçado a utilizar, no âmbito escolar, nome que fere sua identidade. 8. Impõe-se a proteção do menor contra violência psicológica ou física advinda do medo e da intimidação, para o fim de forçá-lo a aceitar a intolerância e a discriminação do ambiente escolar. 9. É inadmissível a violação ao direito fundamental à igualdade, uma vez que a resistência enfrentada pelo aluno transgênero deve, nos termos de todos os dispositivos normativos acima mencionados, ser mitigada através de ações assertivas, de responsabilidade da família, da escola e da sociedade, para que a discriminação não mais leve essas pessoas a terem seu futuro ceifado em razão do preconceito de quem deveria zelar pelo seu bom desenvolvimento. 10. Acaso se reputasse aceitável a perpetuação da discriminação sistemática no âmbito escolar de estudantes transgênero, ignorar-se-ia o conjunto do ordenamento jurídico pátrio, que, através de todos os seus níveis normativos, desde a Constituição Federal, tratados internacionais ratificados pelo Brasil, leis e atos normativos reconhecem a relevância do tema da discriminação, inclusive a de gênero, e combate os atos atentatórios aos direitos fundamentais de dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e busca da felicidade. 11. Dados os termos em que proposta a Resolução nº. 12/2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, enquanto orientação para o melhor cumprimento das diretrizes de direitos humanos previstas em normas cogentes, trata-se de medida adequada e proporcional a ser seguida pelas escolas públicas e particulares, notadamente as representadas no presente processo pelo Sindicato autor. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Remessa Necessária 5010492-86.2016.4.04.7200, Terceira Turma, Relator Rogerio Favreto, Julg. 31/07/2018)
Considerando os fundamentos de fato e de direito expostos, sugere que todos os documentos e sistemas devem ser readequados ao Decreto 8.727/2016 e a Resolução nº 12, de 16 de janeiro de 2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, para o uso do nome social quando houver expresso requerimento.
Este parecer de caráter meramente opinativo.
André Luis Ficher OAB/SP nº. 232.390 | Thiago Stuque Freitas OAB/SP nº. 269.049 |
Anexo I – Decreto 8.727 de 28 de abril de 2016.
Presidência da República
Secretaria-Geral
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016
Vigência | Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. |
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput , inciso VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 1º, caput , inciso III, no art. 3º, caput , inciso IV; e no art. 5º, caput, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, considera-se:
I – nome social – designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida; e
II – identidade de gênero – dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.
Art. 2º Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste Decreto.
Parágrafo único. É vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais.
Art. 3º Os registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter o campo “nome social” em destaque, acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos. (Vigência)
Art. 4º Constará nos documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado, acompanhado do nome civil.
Art. 5º O órgão ou a entidade da administração pública federal direta, autárquica e fundacional poderá empregar o nome civil da pessoa travesti ou transexual, acompanhado do nome social, apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
Art. 6º A pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Art. 7º Este Decreto entra em vigor:
I – um ano após a data de sua publicação, quanto ao art. 3º ; e
II – na data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos.
Brasília, 28 de abril de 2016; 195º da Independência e 128º da República.
DILMA ROUSSEFF
Nilma Lino Gomes
Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.4.2016
Anexo II – Resolução nº. 12, de 16 de janeiro de 2015
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